O que todo brasileiro deve saber sobre o Banco Central do Brasil

Os primeiros meses de 2023 foram marcados por discussões envolvendo o Banco Central, que também é referenciado por outros nomes como BACEN, BC e BCB. Além de anunciar que disponibilizou valores esquecidos que os cidadãos podem consultar e sacar, outros assuntos com impacto de mais longo prazo na vida da população tiveram destaque.

Entre os assuntos mais controversos estiveram a possível revogação da lei aprovada em 2021 que deu independência do Banco Central em relação ao governo federal e a taxa básica de juros, a SELIC. Estes são assuntos que exercem grande influência na vida dos Brasileiros, não importando quão claros estão para a maioria da população.

O que mudou com a “independência” do Banco Central?

Em termos simples, a independência do Banco Central diminui o poder de controle da economia pelo governo eleito e dá ainda mais poder aos grandes agentes financeiros, como bancos, pois, a independência do BC é somente em relação ao governo e não há independência em relação ao mercado financeiro nem independência de aliados políticos.

Em uma foto tirada em fevereiro de 2023, já sob o governo Lula, pode-se ver que Campos Neto está em um grupo de ministros do ex-presidente Jair Bolsonaro. Indagado, Campos Neto afirmou que sua participação no grupo se limita a repassar informações técnicas.

Foto feita pela jornalista Gabriela Biló do celular de Ciro Nogueira visualizando grupo “Ministros Bolsonaro”, com Campos Neto, durante governo Lula, contrariando tese de independência política.

Esta evidência indica que o principal objetivo dos defensores da autonomia do BC (evitar interferência política) não está sendo atingido.

Independência do Banco Central dá força a velhas políticas

Desde que a conferência de Bretton Woods oficializou os Estados Unidos como potência hegemônica na economia mundial e criou órgãos como o FMI e o Banco Mundial, o Brasil passou por diversos governos, de espectro mais pra direita ou pra esquerda, mas, no que diz respeito às políticas econômicas, os governos brasileiros sempre seguiram orientações dos órgãos representantes do liberalismo internacional e nenhuma mudança profunda foi realizada. A delegação Brasileira de Bretton Woods apenas replicou no Brasil o que foi acordado nos EUA. Nada indica que o status quo de injustiças sociais irá mudar a curto prazo, pois, com a “independência” do BC, tudo caminha como já queria o avô de Campos Neto, anos atrás.

Somente dando continuidade ao histórico de liberalismo econômico

Nem todos querem mudar o tradicional abismo da desigualdade econômica.

Um grupo de pesquisas avaliou que Banco Central do Brasil é historicamente comandado por economistas de formação neoliberal formados em poucas universidades ortodoxas brasileiras influenciadas pela escola de Chicago.

Como exemplo do nível de ortodoxia da universidade de Chicago, ela possui até mesmo estudo bíblico entre as áreas de estudo. Em outras palavras, o perfil dos presidentes e diretores do BC segue uma linha bastante tradicional que pouco muda, seja entre os governos com espectro político mais à esquerda ou à direita, o que faz diminuir bastante a chance de mudanças profundas no funcionamento do banco, que tende a continuar sendo baseado no Laissez-faire (liberalismo).

Como exemplo claro de como a administração do Banco Central mudou pouquíssimo, desde sua criação, o presidente do BC escolhido por Jair Bolsonaro, Roberto de Oliveira Campos Neto, como o próprio nome diz, é neto de Roberto de Oliveira Campos, um dos fundadores do mesmo Banco Central, em 1964 e que se tornou ministro em Abril do mesmo ano.

Mesmo durante a presidência de Alexandre Tombini, escolhido por Dilma Rousseff que chegou a criar alguns atritos com bancos privados, o Banco Central continuou a seguir padrões liberais inabaláveis e falta de independência em relação ao mercado financeiro.

Como a taxa que serve de base para os juros (SELIC) impacta a vida dos Brasileiros?

O Banco Central é o órgão que define a taxa básica de juros, através do Comitê de Política Monetária, o COPOM. Esta taxa básica é utilizada como base para financiamentos, créditos e parcelamentos. Quando os juros aumentam, os maiores beneficiários são os que lucram com os juros e os maiores prejudicados são os que possuem ou pretendem contrair dívidas em que incidem juros.

A política de juros altos diminui a capacidade de pagamento das famílias e contribuem para o aumento da inadimplência, que já bate recordes, com mais de 70 milhões de brasileiros com as dívidas atrasadas.

Outra consequência é que a oferta de títulos podres aumenta e todo contribuinte sofre com o risco de suas contribuições serem destinadas a salvarem o “deus mercado” em uma eventual crise causada por ele mesmo.

Títulos podres são títulos de dívidas que dificilmente serão quitadas, dívidas com alta chance de inadimplência. Os credores, ao revender estes títulos, em uma espécie de terceirização entre os credores, vão criando um “efeito bola de neve” que pode trazer sérias crises, como a crise do subprime (crise dos títulos podres) que acometeu os EUA em 2007 e resultou em transferência de aproximadamente 5 trilhões de dólares em dinheiro público para salvar o mercado que exige, ao mesmo tempo, independência para se autorregular e intervenção estatal com dinheiro dos contribuintes para não desmoronar.

Cerca de 563 bancos já faliram nos EUA de 2001 ao começo de 2023 devido a um excesso títulos/papéis podres, mas, mesmo com as novas e preocupantes quebras de bancos, o BC continua apostando na política de juros altos.

A taxa básica de juros que o governo de Bolsonaro deixou como herança é uma das mais altas do mundo e considerada muito alta até mesmo por um dos um dos ex-presidentes mais liberais que o BC já teve, como Armínio Fraga, mas, já esteve ainda mais alta em alguns períodos de governos anteriores do PT e teve mínima histórica de 2% em 2020, já durante a gestão de Campos Neto, indicado por Jair Bolsonaro.

Estima-se que, a cada ponto percentual de aumento da taxa SELIC mantido por um ano, o governo paga 36 bilhões de reais em juros da dívida pública aos bancos, o que alguns chamam de parasitismo financeiro.

Um grupo de economistas gabaritados chegou a lançar um abaixo-assinado repudiando as políticas de juros altos.

Se há consenso que a taxa está alta, baixar a taxa básica de juros é uma medida simples que pode ser tomada para transformar a economia?

Não é tão simples assim. O acúmulo dos chamados títulos podres, ou seja, títulos de dívidas que dificilmente serão pagas, pode gerar uma bola de neve e realmente ameaçar a economia em larga escala. Com os juro altos as vendas de títulos podres aumentam, o que é interessante, novamente, aos bancos. Além do que, para os economistas conservadores, como Campos Neto, a taxa SELIC é uma das principais ferramentas para o controle da inflação, apesar de especialistas apontarem que o aumento é ineficaz para o controle, já que o consumo não está alto para ser “esfriado” com juros altos.

Segundo especialistas, a inflação atual não é causada por uma alta demanda (que seria controla por elevação na taxa de juros), sim por uma subida de preços administrados, como os preços dos alimentos, combustíveis e energia elétrica.

O Conselho Monetário Nacional (CMN) foi criado em 1965, durante a chamada “modernização conservadora”. Ele é o órgão que define a meta de inflação e fixou-a em 3,25% para o ano de 2023, quando o acumulado dos últimos meses estava em torno de 5%, ou seja, uma meta bastante otimista.

Como, em teoria, o BC precisa tentar cumprir a meta da inflação, ele ameaça aumentar ainda mais a taxa básica de juros, mesmo sendo uma medida pouco eficaz por não combater as verdadeiras causas da inflação atual.

“Lado bom” dos juros altos

Dizem que quase tudo tem um lado bom e um lado ruim. Se é possível dizer que existe algo de bom nos juros elevados não é por conta de ele baixar a inflação, pois, como visto acima, a inflação brasileira não é causada por alta na demanda, sim, pela subida dos preços dos combustíveis, energia elétrica e outros itens que podem ter os preços baixados e influenciam os preços de outros itens.

A consequência boa que os juros altos podem trazer é o desincentivo à cultura de endividamento, que governos do PT sempre utilizam como “solução” para graves problemas, como os de moradia e educação, superficialmente remediados pelos programas Minha Casa, Minha Vida e o Prouni, como se eles não tivessem graves efeitos colaterais que gerassem outro problema, o das dívidas. Apesar dos problemas, os programas ainda são melhores que o quase nada oferecido por outros governos mais alinhados às demandas das elites tradicionais em detrimento da grande massa de trabalhadores.

Com a taxa de juros tão alta, o que os bancos querem é vender títulos podres, a fim de minimizar a bolha da dívida, criada sem lastro, inflada por renegociação de dívidas, por dinheiro que não existe. Caso os bancos consigam diminuir todo esse dinheiro sem lastro, pode ser um fato positivo.

Caso queira saber mais sobre a origem das dívidas e o funcionamento básico dos bancos centrais a nível mundial, este vídeo é extremamente didático sobre o assunto:

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